quinta-feira, 28 de junho de 2012

O pavão e a saúde suplementar



Por Bruno Sobral - Valor 28/06

Em uma comparação bem humorada, apresentada na edição de janeiro de 2012 da "Harvard Business Review", os escritores americanos Christopher Meyer e Julia Kirby citam as semelhanças entre o curioso caso do processo evolutivo do pavão e o mundo dos negócios. Explicam que a fêmea do pavão escolhe o macho tendo como único critério a beleza e o tamanho de sua cauda. A beleza da cauda é, portanto, a medida de sucesso que a fêmea utiliza nas suas escolhas individuais. O interessante é que essa medida de sucesso utilizada pela fêmea levou a um processo evolutivo em que as novas gerações da espécie se tornaram cada vez mais coloridas, mais bonitas, maiores e, consequentemente, se tornaram presas fáceis. Esse processo evolutivo, em que a medida do sucesso e o incentivo natural estava "equivocado", levou ao quase desaparecimento da espécie que só foi salva pela intervenção do homem ao decidir que o pavão era, usando o jargão dos autores, "too beautiful to fail" (muito bonito para falhar).
Na analogia com o mundo dos negócios, os autores afirmam que algumas empresas podem estar caminhando na mesma direção do pavão, ao adotarem como únicas medidas de sucesso a maximização do retorno de curto prazo e o tamanho de suas fatias de mercado, oriundas de um modelo de competição de "soma zero", no qual a empresa ganha quando seus concorrentes e fornecedores perdem. Se essa é uma possibilidade para muitas das empresas americanas analisadas por Meyer e Kirby, é certamente o caso de boa parte das empresas que atuam no setor de planos de saúde brasileiro - saúde suplementar. O foco na geração de caixa e retorno de curto prazo e o modelo de competição voraz por quem fica com a maior fatia dos lucros, entre os atores desse mercado, têm levado a conflitos constantes entre planos, hospitais, médicos e indústrias de materiais e medicamentos.
Tais conflitos, por consequência, aumentam brutalmente os custos de transação e geram ineficiência e insatisfação generalizada. Como cita o professor de finanças de Harvard, Michael Porter em seu livro "Redefining Health Care", o mercado de saúde precisa mudar para um modelo que seja focado - e premiado - pelo valor que se agrega ao paciente. Ou seja, planos, hospitais, médicos e indústria precisam ter como medida de sucesso a competência com a qual enfrentam as necessidades particulares do paciente ao longo de todo o ciclo de cuidado (monitoramento, prevenção e tratamento). Porter argumenta ainda que, ao contrário do que se possa pensar, esse modelo custa menos e não mais e, portanto, aumenta a saúde financeira das empresas e do sistema como um todo.

Agregar valor ao paciente oferecendo-lhe mais qualidade e mudando o modelo de cuidado propicia diagnósticos mais precisos, menos erros no tratamento, menos complicações, recuperações mais rápidas, intervenções menos invasivas e menos necessidade de tratamento.

Mas se a mudança da medida de sucesso gera ganhos para todos, por que os atores desse mercado ainda não migraram para esse novo modelo? Entre as possíveis explicações estão as incertezas inerentes a todo processo de mudança, as mudanças nos processos de trabalho, a necessidade de investimentos em tecnologia da informação, uma possível desvantagem competitiva de curto prazo para as empresas pioneiras, dificuldade de obtenção de consenso sobre como medir qualidade, desconfiança mútua, inércia, visão das lideranças do setor e o mais importante: faltavam incentivos mais claros. Para suprir essa necessidade, um órgão regulador que lidere esse processo de mudança faz toda diferença.

Algumas ações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que se tornaram compromisso através da edição de sua agenda regulatória 2010/2011, estão claramente impregnadas do conceito de que é preciso mudar o modelo. Dentre essas medidas que induzem as operadoras a agregar valor ao paciente, destacam-se a resolução que permitiu aos planos estabelecer incentivos econômicos aos beneficiários que entrem em programas de prevenção e envelhecimento ativo e o programa Qualiss, que colocará à disposição de todos informações sobre a qualidade objetiva dos hospitais e clínicas de diagnóstico da rede prestadora.

Adicionalmente foi implementada norma que determinou tempo máximo de espera para atendimento das demandas dos pacientes; estuda-se um modelo mais racional e menos conflituoso de pagamento entre planos de saúde e hospitais e avançou-se na implementação do padrão de troca de informações do setor, que permitirá informação relevante para avaliar todas as demais ações.

Direta ou indiretamente, essas medidas incentivam a mudança na forma como a operadora se relaciona com os prestadores de serviço médico. Ao estabelecer tempo máximo de atendimento, incentiva-se uma relação contratual que leve em conta a conveniência do consumidor. Por sua vez, ao divulgar o nível de qualidade dos prestadores, o programa Qualiss incentiva arranjos contratuais e de remuneração diferenciados por qualidade, além de aumentar o interesse das operadoras em terem prestadores qualificados em sua rede assistencial.

Quando a medida do sucesso deixa de ser a geração de caixa de curto prazo e o exercício do poder de barganha (a cauda colorida do pavão) e passa para um modelo que premia a qualidade da assistência, todos ganham. Esse é um processo de mudança que leva tempo e os incentivos para mudar o modelo precisam ser constantemente revisados e reforçados mas, certamente, suas bases já começaram a ser postas pelo órgão regulador.



Bruno Sobral é diretor de desenvolvimento setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).