terça-feira, 20 de março de 2012

Treinar o cérebro para compensar a deficiência é eficaz, diz médico israelense

TEL AVIV, Israel — Os olhos se esforçam, a testa se enruga, mas as letrinhas do jornal continuam embaçadas. A luz não parece ser suficiente, mesmo acendendo as lâmpadas da sala. Você sente uma leve dor de cabeça e afasta a página do rosto, na esperança de conseguir mais foco. Não tem jeito. Trata-se de um caso certeiro de presbiopia ou, simplesmente, vista cansada, na linguagem popular. Mas, segundo uma pesquisa inovadora, em vez de tolerar o desconforto da condição, é possível superar ou pelo menos minimizar o problema por meio de exercícios visuais desenvolvidos especialmente para quem está cansado de gastar dinheiro e carregar constantemente na bolsa óculos de leitura ou bifocais.

A presbiopia, palavra que vem do grego “olho envelhecendo”, é a degeneração da visão de curto alcance que acontece naturalmente com a idade. O motivo é a perda da elasticidade na lente do olho, o cristalino, o que dificulta focar em objetos próximos. Esta lente precisa mudar de comprimento e de formato toda vez que o olho mira em algo diferente. E é esta flexibilidade que se perde com o tempo.

Segundo especialistas, a condição afeta nada menos do que 80% das pessoas com mais de 42 anos e 99% com mais de 51. Há quem sustente, no entanto, que a anomalia tem começado cada vez mais cedo. Muitos reclamam da vista cansada aos 35 anos. A vida moderna, com a multiplicação de gadgets, computadores, games, iPads e iPhones, pode estar na raiz do problema.

— O olho humano não é projetado para durar 80, 90 anos, principalmente se fica se esforçando para ler em telas de computador que, mesmo modernas, têm resolução ainda baixa demais — diz o professor Uri Polat, especialista em doenças visuais da Universidade de Tel Aviv. — Não há cura para essa deterioração, mas é possível treinar o cérebro para compensar esse problema.

Para provar sua teoria, Polat conduziu, entre 2010 e 2011, uma experiência nos laboratórios da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que pode devolver as esperanças de uma visão mais certeira por mais tempo. Ele e o colega americano Dennis Levi reuniram 30 voluntários com idade média de 51 anos (entre 40 a 60 anos) que sofrem de vista cansada e as fez praticarem o que chamaram de “treinamento perceptivo”. Por três meses, os participantes do estudo realizaram exercícios visuais específicos pelo menos três vezes por semana, por 30 minutos em cada uma das sessões.

Os exercícios consistiam em olhar para a tela de um computador e perceber o momento em que apareciam os chamados “padrões Gabor”, pequenos desenhos quadrados, em preto e branco, considerados básicos para o sistema visual. Os participantes tinham que olhar fixamente para a tela e discernir o momento em que um desses padrões — que simulam a sensação de profundidade através do contraste entre o preto e o branco — aparecia. Com o tempo, os exercícios se tornavam mais complexos, com diversos padrões aparecendo simultaneamente, sempre por fracções de segundo. Segundo os pesquisadores, o esforço visual para a percepção dos desenhos estimula o córtex visual, a área do cérebro especializada no processamento de imagens. Com o tempo, o cérebro aprende a focar nos padrões com mais clareza e rapidez.

Ao final de três meses de trabalho, Polat comparou a visão dos participantes com a de sete jovens com visão perfeita e três adultos com presbiopia que não praticaram os exercícios. Os resultados, publicados na revista especializada “Scientific Reports”, foram surpreendentes: todos os 30 voluntários passaram a ler de perto perfeitamente, sem a ajuda de óculos bifocais, alguns deles na mesma rapidez dos jovens. Os três adultos que não se exercitaram, por sua vez, apresentaram piora na visão de curto alcance.

Segundo Polat, a melhora não aconteceu por causa de uma “cura” na performance do olho, mas sim da possibilidade que o cérebro tem de manter plasticidade suficiente para superar a deterioração biológica natural. Na verdade, é o cérebro que aprende a decodificar melhor a imagem que recebe, mesmo que borrada.

— A visão não acontece no olho, e, sim, no cérebro — explica Polat. — O olho captura a luz e a transmite para que ele a decodifique e processe as imagens. O que podemos fazer é ensinar o cérebro a compensar, contrabalançar, o enrijecimento do cristalino. Não há limite de idade para ensinar algo novo ao cérebro.

Ele salienta, no entanto, que idosos podem sofrer com outros problemas de visão com a idade, como catarata e glaucoma, que não podem ser melhorados dessa forma.

Para provar que seu método atua sobre o cérebro e não sobre a fisiologia do olho, Polat pediu a assistência do renomado optometrista americano Clifton Schor, que constatou que, ao fim da experiência, não houve nenhuma mudança física nos olhos dos participantes. A melhoria na sua capacidade de leitura se deveu apenas a um aumento no ritmo de processamento de imagens no cérebro, aliado a uma maior sensibilidade dos neurônios.

Polat está desenvolvendo um software para ajudar o público a exercitar o cérebro e superar a vista cansada. A previsão é que o primeiro produto, o aplicativo GlassesOff, criado para smartphones, seja lançado nos próximos meses. Com o auxílio do programa, pessoas com presbiopia poderão se exercitar três vezes por semana, onde quer que estejam. E poderão abandonar os óculos.

— As pessoas vão até ler mais rápido, numa média de 12 palavras a mais por minuto. Isso significa que quem se exercitar poderá terminar de ler um texto de duas mil palavras, sem óculos, nove minutos antes do que era capaz anteriormente — profetiza o CEO da empresa, Nimrod Madar.





Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/saude/exercicio-para-vista-cansada-4336047#ixzz1pWa9u5I6



segunda-feira, 19 de março de 2012

A guerra suja dos laboratórios: 'Os medicamentos que curam completamente não dão lucro'

Tribuna da Internet – 14mar2012


O comentarista Mario Assis nos envia esta entrevista com Dr. Richard J. Roberts, Prémio Nobel da Medicina 1993, que assim se apresenta: “Tenho 68 anos e o pior do envelhecer é ter muitas verdades como sagradas, pois é quando é realmente necessário fazer perguntas. Nasci em Derby e o meu pai era mecânico, ofereceu-me um kit de química e ainda gosto de brincar. Sou casado tenho quatro filhos e sou tetraplégico devido a um acidente. O que me estimula é a investigação e por isso ainda a faço, participo no Campus for Excellence”. Roberts trabalha na empresa New England Biolabs.

- A pesquisa pode ser planejada?

Se eu fosse ministro da Ciência procuraria pessoas entusiasmadas com projetos interessantes. Bastava financiar para que aparecessem em 10 anos resultados surpreendentes.

- Parece uma boa política.

Acredita-se geralmente que financiar a pesquisa é o bastante para se poder ir muito longe, mas se se quer ter lucros rápidos, tem de se apoiar a pesquisa aplicada.

- E não é assim?

Muitas vezes as descobertas mais rentáveis são feitas baseadas em perguntas básicas. Foi assim que foi criado, com bilhões de dólares, o gigante da biotecnologia dos EUA, a firma para quem eu trabalho.

- Como foi criado esse gigante?

A biotecnolgia apareceu quando apaixonados pela matéria se começaram a questionar se poderiam clonar genes. Assim se começou a estudar e a purificá-los.

- Uma aventura por si só.

Sim, mas ninguém na altura esperava enriquecer com essa matéria, foi difícil arranjar financiamento para as pesquisas, até que o Presidente Nixon em 1971 resolveu lançar a guerra contra o cancer.

- Foi científicamente produtivo?

Permitiu muitas pesquisas, uma delas foi a minha, com uma enorme quantidade de fundos públicos, com pessoas que não estavam diretamente ligadas ao cancer, mas foi útil para compreender os mecanismos que permitem a vida.

- Que foi que o Prof. descobriu?

Phillipe Allen Sharp e eu descobrimos o DNA em íntrons eucarióticas e mecanismo de “splicing” do gene, e fomos bem recompensados.

- Para que foi útil?

Essa descoberta levou a perceber como funciona o DNA, no entanto tem apenas uma ligação indireta com o cancro.

- Que modelo de pesquisa é mais eficaz, o americano ou o europeu?

É óbvio que os EUA, onde o capital privado tem um papel ativo, é muito mais eficiente. Tomemos por exemplo o progresso espetacular da indústria de computadores, onde o dinheiro privado é que financia a pesquisa básica aplicada, mas para a indústria da saúde … eu tenho as minhas reservas.

- Eu escuto.

A pesquisa sobre a saúde humana não pode depender apenas de sua rentabilidade. O que é bom para os dividendos das empresas, nem sempre é bom para as pessoas.

- O senhor poderia explicar?

A indústria farmacêutica quer servir o mercado de capitais …

- Como qualquer outra indústria…

Não é apenas qualquer outra indústria, nós estamos a falar sobre a nossa saúde e as nossas vidas, os nossos filhos e milhões de seres humanos.

- Mas se são rentáveis, eles vão pesquisar melhor.

Se você só pensar em benefícios, você vai parar de se preocupar em servir as pessoas.

- Por exemplo?

Eu vi que em alguns casos, os cientistas que dependem de fundos privados descobriram um medicamento muito eficaz, que teria eliminado completamente uma doença …

- E porque pararam de investigar?

Porque as empresas farmacêuticas muitas vezes não estão tão interessadas na cura mas na obtenção de dinheiro, assim a investigação, de repente, foi desviada para a descoberta de medicamentos que não curam completamente, tornam isso sim, a doença crónica. Medicamentos que fazem sentir uma melhoria, mas que desaparece quando o doente para de tomar a droga.

- É uma acusação grave.

É comum que as empresas farmacêuticas estejam interessadas em pesquisas que não curam, mas que apenas tornam as doenças crônicas, com drogas mais rentáveis, do que medicamentos que curam completamente uma vez e para sempre. Você só precisa seguir a análise financeira da indústria farmacêutica e verificar o que eu digo.

- Estão atrás de dividendos.

É por isso que dizemos que a saúde não pode ser um mercado e não pode ser entendida meramente como um meio de ganhar dinheiro. E eu acho que o modelo europeu de capital privado e público misto, é menos susceptível de encorajar tais abusos.

- Um exemplo de tais abusos?

Pararam investigações com antibióticos porque estavam a ser muito eficazes e os doentes ficaram completamente curados. Como novos antibióticos não foram desenvolvidos, os organismos infecciosos tornaram-se resistentes e a tuberculose hoje, que na minha infância tinha sido vencida, reaparece e matou no ano passado um milhão de pessoas.

- Está falando sobre o Terceiro Mundo?

Esse é outro capítulo triste: doenças do Terceiro Mundo. Dificilmente se fazem investigações, porque as drogas que iriam combater essas doenças são inúteis. Mas eu estou a falar sobre o nosso Mundo, o Ocidental : o remédio que cura completamente não é rentável e, portanto, não é pesquisado.

- Há políticos envolvidos?

Não fique muito animado: no nosso sistema, os políticos são meros empregados das grandes empresas, que investem o que é necessário para que os “seus filhos” se possam eleger, e se eles não são eleitos, compram aqueles que foram eleitos. O dinheiro e as grandes empresas só estão interessados em multiplicar. Quase todos os políticos – e eu sei o que quero dizer – dependem descaradamente destas multinacionais farmacêuticas, que financiam as suas campanhas. O resto são palavras …



(Transcrito de http://www.revista-ariel.org)