quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Jovens fogem da pediatria para manter qualidade de vida


Acordar no meio da noite com o telefonema de um paciente em situação de emergência não é o que a maioria dos jovens médicos brasileiros deseja. Boa parte dos recém-formados quer ter qualidade de vida, o que inclui longas horas de sono e um horário de trabalho mais previsível. "Eles não querem estar disponíveis o tempo todo", afirma José Bonamigo, representante da Associação Médica Brasileira na Comissão Nacional de Residência Médica.

Com a proliferação dos celulares e smartphones, os médicos hoje são encontrados a qualquer hora e lugar. Desse modo, algumas especialidades em que a disponibilidade é necessária praticamente 24 horas por dia estão em baixa. É o caso das áreas de ginecologia/obstetrícia e de pediatria. "Quando analisamos os testes de admissão de residência médica, vemos claramente as áreas preferidas", diz Bonamigo.

César Eduardo Fernandes, presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), afirma que a procura pelo título de ginecologista e obstetra caiu cerca de 10% desde 2000. "Não dá para exigir do médico que, depois de seis anos de faculdade e mais três de residência, ele opte por uma profissão árdua como a nossa. Ou seja, que requer plena disponibilidade ao paciente, para ganhar o que pagam os convênios", reclama Fernandes, formado há 36 anos.

A maior parte paga entre R$ 25 e R$ 45 a consulta- valores brutos. O montante é o mesmo para todas as especialidades, mas algumas usam mais exames com auxílio da tecnologia e de pequenos procedimentos cirúrgicos, o que melhora a remuneração do médico.

Não é o caso da pediatria. Por ser uma atividade essencialmente clínica, os profissionais dessa especialidade recebem apenas o valor da consulta, sem nenhum adicional. A remuneração baixa aliada ao fato de eles precisarem manter o telefone ligado em tempo integral para atender mães desesperadas, traz como consequência a diminuição no número de jovens pediatras.

Levantamento feito pela Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) mostra que, desde 1999, houve uma queda de 55% no número de recém-formados em busca dessa especialidade no Estado. "É preciso manter uma relação muito próxima com o paciente e sua família. Nem todos os profissionais estão dispostos a fazer isso ganhando tão pouco", afirma Clóvis Francisco Constantino, presidente da SPSP.

Formada em medicina em 2004, Fernanda Penha ficou em dúvida, durante a faculdade, se trabalharia com cirurgia ou endocrinologia pediátrica. Optou pela segunda. "Eu queria acompanhar o desenvolvimento dos meus pacientes e isso não acontece na cirurgia", diz. Como os procedimentos cirúrgicos são mais bem remunerados do que as consultas, os ganhos de um cirurgião pediátrico são quase três vezes maiores que os de Fernanda, embora o tempo de estudo requerido seja o mesmo.

Para manter um salário satisfatório, ela precisa trabalhar em sete lugares entre consultório particular, clínicas, hospitais públicos e privados. Em seu consultório, aberto há três anos, não aceita convênio. Fernanda atende seus pacientes em três períodos da semana - duas tardes e uma manhã. "Demora para se conseguir um número bom de pacientes e preencher todos os horários. Espero conseguir atender só no meu consultório em até sete anos."

Na outra ponta da lista, a das especialidades preferidas dos residentes, estão as que remuneram melhor, como as relacionadas à estética. Além de serem bastante demandadas no mercado, elas requerem mais exames. Entre elas estão a dermatologia, a cirurgia plástica e a endocrinologia. "Nessas especialidades, é possível trabalhar apenas no horário comercial", diz Bonamigo.

Luciana Maluf, 33 anos, optou pela dermatologia por gostar da profissão e por ser uma área dentro da medicina que lhe permitiria manter uma boa qualidade de vida. "Penso em ter filhos e queria algo que me possibilitasse ter um horário mais normal de trabalho", ressalta. "Além disso, sei que não conseguiria ser feliz na profissão caso minhas noites de sono fossem constantemente interrompidas."

Depois de seis anos de faculdade, dois de residência em clínica médica e mais três de especialização, Luciana já consegue ter uma rotina de trabalho, o que não significa pouca dedicação. A médica atende em dois consultórios, um hospital e ainda atua como médica assistente na Faculdade de Medicina do ABC.

A dermatologia é campeã na preferência dos jovens que fazem o exame de residência médica da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP), o maior do país. Dos dez mil inscritos em 2010, 710 optaram por essa especialidade. A cirurgia plástica também aparece bem classificada, com 290 inscritos. Dentre as especialidades cirúrgicas, esta é a mais procurada, segundo Irene Abramovich, coordenadora da residência médica da SES-SP.

A procura pelo título de especialista em endocrinologia também disparou- aumentou 50% nos últimos dez anos, segundo Francisco Bandeira, presidente da Comissão de Título de Especialista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. "Esta é uma das poucas especialidades que tem 100% de preenchimento em suas vagas de residência médica", diz Bandeira. Na opinião dele, isso acontece porque as doenças endócrinas como o diabetes são comuns e o número de endocrinologistas ainda é insuficiente.

Bonamigo ressalta que a epidemia de obesidade que o país enfrenta também contribui para manter a agenda lotada desses profissionais, que são muito procurados para a realização de cirurgias de redução de estômago.

Nenhum comentário:

Postar um comentário